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Reencontro

“É fascinante como algumas pessoas tem um efeito tão grande sobre nós.

Podem passar-se dias, semanas ou até mesmo meses sem que estejamos com elas.

Mas quando reencontramos certas pessoas, que nalgum momento marcaram a nossa vida,

ficamos com aquele frio na barriga, perdemos até mesmo a fala por alguns instantes.

O coração acelera e sentimos um aperto no peito.

Inevitavelmente lembramos-nos de tudo o que um dia já foi vivido.”

Xana Ribeiro

(blog: Pensamentos Soltos)

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Mãe.

“E encontrei-a finalmente, lá estava ela, a lápide que guardava para sempre o que restava da pessoa mais importante da minha vida: a minha mãe; na pedra de mármore a fotografia dela – com trinta e poucos anos, devia ser pouco mais velha do que eu neste momento – já amarelecida e desbotada pelo passar dos anos. Era a minha mãe: de longos cabelos grisalhos acastanhados; pele morena, lisa, suave e brilhante como a seda. E os olhos negros; o olhar intenso e forte; apaixonante e conquistador, que muita gente diz que eu herdei dela.

O meu pai dizia muitas vezes que era a forma mais subtil e ternurenta de o conquistarem: apenas como a minha mãe o sabia fazer tão bem, com um simples olhar.”

Ana Ribeiro, 2015

(blog: O Meu Blog de Escrita)

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9

O homem e a borboleta

“Uma vez eu sonhei que era uma borboleta,
voando entre as flores e arbustos do jardim.

Tudo era tão concreto e real
que em momento nenhum do meu sonho
suspeitei que a borboleta era eu
ou que eu fosse a borboleta.

Para todos os efeitos possíveis e imagináveis,
eu era, eu agia e eu realmente me sentia uma borboleta,
cumprindo o destino de uma borboleta qualquer.

De repente, eu acordei
e lá estava eu, sendo a pessoa que eu sempre fui
– ou que sempre imaginei ser.

Sei muito bem
que entre um homem e uma borboleta
há tantas diferenças fundamentais e insuperáveis
que a transformação de um no outro
é algo simplesmente impossível de acontecer no mundo real.

É por isso que, desde então,
eu nunca mais tive sossego
quanto à minha verdadeira identidade.

Pois não há nada que me permita saber,
com toda certeza e rigor,
sem nenhuma margem de dúvida,
se eu sou verdadeiramente um homem,
que um dia sonhou que era uma borboleta,
ou se eu sou uma borboleta,
sonhando que é um homem.”

Chuang Tzu

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14

Reflexões

“Olhas-me como se fosse o teu tudo,
tu sonhas com a mudança mas amas-me porque eu não mudo.
Andas à minha procura mas quando eu entro tu sais,
esperas-me eternamente, mas sabes que eu não venho mais.
Criticas-me por ser pesado mas sei que detestas  o que é leve,

a noite vence o dia como o fogo entra na neve.
Estás confusa, perdida, no caos de toda a ordem,
o mal completa o bem como a mulher completa o homem,
nesta vida o que se perde primeiro é a esperança,
já fomos a mesma criança, agora dançamos outra dança.
Sentimentos mal definidos ou certeza do que não se sente
balançando distorcido entre o frio e o quente.
(…)
Se há alguém a quem eu conto tudo esse é o meu caderno,
desejo o céu mas provoco, inocentemente, o inferno.
(…)

No fundo eu não sou nada,

mas todas as respostas que eu procuro,

eu encontro-as dentro de mim.”

Xeg – Intro 

(álbum Ritmo e Poesia)

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As coisas simples.

“Restam as coisas simples. São as mais belas. Por exemplo o haver uma pessoa que goste de outra. Isto é o mais belo de tudo o que há no mundo por mais que se procure por todo o lado. O que é que quer dizer uma menina gostar de um menino ou um menino gostar de uma menina? Quer dizer: fazerem tudo um pelo outro. O tudo é que pode ser maior ou mais pequenino. E o que quer dizer um menino gostar de uma menina que também gosta desse menino? Isso é o fim do mundo.
De vez em quando, muito de vez em quando, há o fim do mundo. O mais engraçado é que ninguém nota.”

Pedro Paixão in “Histórias Verdadeiras”

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Esquecer

“Não sonhas. Morres um pouco de manhã e ao meio dia quando o sol mais queima. Tens de continuar. Tens de esquecer. Não aguentas mais. Tens de acabar, matar, recomeçar a viver. Só que ela está presa por dentro e tu agarrado a ela por um nó da garganta e não sabes o que deves deitar fora, arrancar, vomitar para que ela te saia de dentro. Sais à noite com definitivos propósitos de não voltares sozinho. Compões dentro da cabeça uma mulher com um bocadinho disto e um bocadinho daquilo e esperas que bata certo. Levas um bocado de tecido rasgado e queres encontrar o todo. Mas não encontras ninguém. Pior, encontras alguém que te vem provar sem remissão que não a vais substituir tão facilmente porque não há nada no mundo inteiro depois dela senão um deserto de tempo que se estende à tua frente onde tudo se torna insignificante e pequenino. Começas a beber, a fazeres-te mal, porque estás triste e não acreditas em nada senão na dor. Queres morrer e não podes e nem sequer coragem tens para te matar. E quando ainda pensas poder voltar atrás, também sabes que não é possível voltar atrás porque tu estás num mundo e ela noutro, os dois que tão depressa se afastam, encerrados em planas fotografias em que estão abraçados e nus e já não somos nós.”

Pedro Paixao in “Nos Teus Braços ” , 1998

Dois meses de Alucinações da Alma

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Explicação da eternidade

“devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.”

José Luís Peixoto in “A casa, A escuridão”

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(Último) Abraço

“Um abraço.Um abraço é tudo o que eu te peço antes de partires. E porque um beijo já seria de mais e um aperto de mão saberia a pouco, eu peço-te um abraço!
Que o calor dos nossos corpos se funda nesse abraço sem fim. Que guardes de mim a lembrança deste contacto reconfortante, que eu ter-te-ei para sempre no meu coração.
Falaste-me de terras distantes que pensava que só existiam em sonhos, quando o calor da cama nos arrasta para essa terra de ninguém em que todos podem ser reis… um dia…
Não te levei a sério quando me disseste que terias de partir em breve, que este mundo já pouco se aparentava com a tua morada, que a tua vontade… ah! a tua vontade… essa já não te pertencia…
Como fui tola em acreditar que nada do que me dizias aconteceria. Tu bem que me avisaste, sei que referiste desilusão e desespero nos teus longos monólogos em que eu apenas ouvia a tua voz, com um sorriso nos lábios, sem assimilar o sentido das tuas palavras.
Para mim o sempre e a eternidade fundiram-se com os sonhos de uma vida por viver. Queria-te a meu lado… para sempre, e não te deixei partir, mesmo quando seguias já por essa estrada que te levou à eternidade…
Irremediavelmente partiste…
Não deixaste qualquer rasto para que eu não te pudesse seguir. Disseste que este mundo ainda era o meu, mas para ti jamais voltaria a ser… Partiste… E não me abraçaste uma última vez…”

Cláudia Medeiros

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Chamar a atenção

“Quase todas as manhãs, uma certa mulher da nossa comunidade sai a correr de sua casa, com o rosto branco e o casaco ferozmente desfraldado. A mulher grita: “Acudam, acudam!”, e um de nós precipita-se e segura-a até que os seus medos acalmem. Sabemos que está a fingir, na realidade, nada lhe aconteceu. Mas compreendemo-la, porque dificilmente haverá um de nós que não tenha sido levado alguma vez a fazer precisamente o que ela faz, e, em todos os casos, foram necessárias todas as nossas forças, e também as forças dos nossos amigos e das nossas famílias, para nos sossegar.”

Lydia Davis, Contos Completos

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Solidão

“O verão separa as pessoas. O Paulo e Paula devem estar em Berlim. O Paulo C. Domingos no Porto Covo, em férias. E eu onde estarei? Visto que não me sinto presente em lado nenhum. (…) Enlouquecerei, provavelmente. Mas não tem importância perder a razão. Outra razão se adquire, certamente, semelhante à da ave, ou do peixe, ou ainda a da vida da própria terra. (…)

Mas, no fundo, já nada é muito importante. Já não amo. Já não me dá gozo foder. Já não como com prazer. Durmo mal, canso-me depressa. Não sei onde ia. Chateia-me falar. Tudo me aborrece. Nenhum consolo para esta solidão. Às vezes, penso que são manias minhas. Que me disponho para este estado de grande desolação, propositadamente. Depois, tenho muito medo de saber que detesto o mundo. E medo de não encontrar remédio para isto.

Al Berto, in “Al Berto Diários”, 1984

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