Esquecer

“Não sonhas. Morres um pouco de manhã e ao meio dia quando o sol mais queima. Tens de continuar. Tens de esquecer. Não aguentas mais. Tens de acabar, matar, recomeçar a viver. Só que ela está presa por dentro e tu agarrado a ela por um nó da garganta e não sabes o que deves deitar fora, arrancar, vomitar para que ela te saia de dentro. Sais à noite com definitivos propósitos de não voltares sozinho. Compões dentro da cabeça uma mulher com um bocadinho disto e um bocadinho daquilo e esperas que bata certo. Levas um bocado de tecido rasgado e queres encontrar o todo. Mas não encontras ninguém. Pior, encontras alguém que te vem provar sem remissão que não a vais substituir tão facilmente porque não há nada no mundo inteiro depois dela senão um deserto de tempo que se estende à tua frente onde tudo se torna insignificante e pequenino. Começas a beber, a fazeres-te mal, porque estás triste e não acreditas em nada senão na dor. Queres morrer e não podes e nem sequer coragem tens para te matar. E quando ainda pensas poder voltar atrás, também sabes que não é possível voltar atrás porque tu estás num mundo e ela noutro, os dois que tão depressa se afastam, encerrados em planas fotografias em que estão abraçados e nus e já não somos nós.”

Pedro Paixao in “Nos Teus Braços ” , 1998

Dois meses de Alucinações da Alma

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73 thoughts on “Esquecer

    • Não faço ideia se, quando tiver 40 anos, voltar a passar por uma situação idêntica à que passei no passado, se vou sentir de forma diferente. Se calhar, será mais fácil. Se calhar, será mais difícil.
      Mas é natural que olhemos para o passado e seja mais fácil lidar com ele agora do que nas semanas que se avizinhavam aos acontecimentos.
      Como em tudo, o tempo ajuda a amenizar as situações.
      Beijocas*

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    • Pedro Paixão tem textos extraordinários. Sou mais do que apaixonada pelas palavras dele. Tão nuas e cruas. Tão reais.
      Lamento então que tenha vindo a propósito. Espero que tudo se componha da melhor forma. Se precisares de falar, sente-te à vontade.
      Beijocas*

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      • Li o primeiro livro dele em Novembro de 2003, “Viver todos os dias cansa”. Foi das coisas mais puras que tive a oportunidade de ler. Ele não cai em sentimentalismos de revista, ele toca na essência dos sentimentos. Aliás, gostei tanto que nunca me esqueci da data 🙂

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      • Sim, também li esse livro há meia dúzia de anos, não sei precisar. Andava pela Bertrand e estive meia hora para escolher um livro. Até que cheguei a um dele e li uma ou duas páginas e tive a certeza que queria aquele. Entretanto, requisitei todos os livros dele que havia na biblioteca da escola, depois comprei mais meia dúzia. E cada vez gosto mais.
        Mas é isso mesmo, é tão realista.

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    • Que bom que gostaste do texto que seleccionei, também o considero muito intenso, todos já passámos por essa necessidade de tirar alguém dos nossos pensamentos.
      Não imaginas o quão feliz fico pelas tuas palavras :’D espero que venham muitos mais. ❤
      Beijocas, Liz e obrigada pelo carinho *

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  1. A very intriguing, intense and intuitive thought…how convoluted a thought can be with a complex underlying message…

    The choice of two words…dream and die, are paradox just like the life itself which is coexistence of paradoxical situations…the thought of dream takes one into different plane of imagination and the idea of death puts one into a state of gloom and doom…

    An analogy and an anecdote which marks our journey of life, we keep comparing and contrasting the different facets of life and living…sometime a pause is need to step back a little and reflect the ground reality of life…

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  2. Por exemplo hoje, coloquei a rodar no meu gira-discos uma canção que me trouxe muitas emoções dos meus 18 anos 🙂 recordações intensas….. mas tantas coisas desperdiçadas….. e entretanto ….foi-se a mocidade

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      • É verdade. recordar também é viver e cada música esta associada a um sentimento diferente. uma vantagem em ter quase todos os êxitos marcantes da minha adolescência.
        A idade da inocência 🙂

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      • Sem dúvida. E hoje conseguimos ter acesso às séries, filmes e músicas muito facilmente pela internet.
        Cada vez menos acho que é a idade da inocência, quando olho para as crianças de 12 anos já acho que elas sabem demais e se preocupam demais em vez de estarem a aproveitar para se divertir.

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      • A minha é que era a idade da inoicência :).mas teve a seu encanto, vivi uma adolescência de grandes esperanças na transformação dum mundo melhor….. momentos mágicos ao som dos Beatles, the Shadows, ELvis e por aí fora…………vai ripostando sempre que queiras , bjo

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      • Está-se a perder essa inocência de sonhar e ter esperança, eu cresci ao som de Linkin Park, Limp Bizkit, My Chemical Romance e afins. Mas cheia de esperança e de bons momentos e muitas brincadeiras. 😀

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